Quando o diretor Marco Dutra, 32, leu o romance "A Arte
de Produzir Efeito sem Causa", de Lourenço Mutarelli, considerou a obra
"inadaptável" para o cinema.
Cinco anos depois, o cineasta --codiretor, com Juliana
Rojas, de "Trabalhar Cansa", exibido no Festival de Cannes em 2011--
transforma a verborrágica relação entre pai e filho em um longa de horror
psicológico chamado "Quando Eu Era Vivo".
Filmado inteiramente num apartamento na avenida São Luiz, no
centro de São Paulo, o longa poderia ser um primo (ou um sobrinho) paulistano
de "O Iluminado" (1980), um dos clássicos do diretor Stanley Kubrick
(1928-1999).
Júnior (Marat Descartes) é um homem de trinta e poucos anos
que se separa da mulher e volta a morar com o pai (Antonio Fagundes, o primeiro
a entrar no projeto).
À medida que revira a memória da mãe morta, o divorciado
entra em uma espiral sombria de demência na qual realidade se confunde com
ilusão. "O filme de Kubrick é a primeira referência que me vem à cabeça,
inclusive por causa do visual do meu personagem", brinca Descartes, com
uma peruca de dar inveja a Jack Torrance, o personagem de Jack Nicholson no
thriller. "Há também a mesma sensação claustrofóbica."
Dutra teve liberdade e a permissão do autor para mudar o
necessário e incluir esse clima "dark". "A sensação é a de que
havia elementos bons de trabalhar a dramaturgia. Estou curioso para ver a
reação de quem leu a obra, ainda mais nesses tempos de Harry Potter, em que
tudo precisa ser muito fiel."
A referência a Kubrick, no entanto, poderia ter virado um
elemento secundário em "Quando Eu Era Vivo". Isso porque, no meio do
ano passado, a cantora Sandy foi incorporada ao elenco para viver Bruna, uma
estudante de música que divide o apartamento com os dois homens.
SANDY
Como tudo o que acompanha a popstar brasileira, a produção
se transformou no "novo filme da Sandy".
Especulações davam conta, num dia, de que ela faria o papel
de uma aluna sexy; no outro, de que teria cenas de nudez e de sexo no longa.
"Não sei de onde tiraram essas coisas. A personagem nem
se envolve romanticamente no filme", rebate Sandy, vestida com uma roupa
de ginástica que, apesar de deixar a barriga à mostra, passa longe de um visual
picante.
"Estou acostumada com essas bobagens. Meu nome é muito
'mainstream' e agora estou fazendo algo underground. Não faço filme para
agradar ninguém."
Apesar de uma presença "estranha" para um filme de
horror psicológico de baixo orçamento (cerca de R$ 1,5 milhão), Sandy logo viu
que não teria vida fácil.
Dividiu um pequeno camarim com outros atores, almoçou na
região central e se integrou ao esquema de Dutra.
"É meu primeiro suspense, mas fui aceita como uma atriz
e não como um peixe fora d'água, uma cantora", diz sobre sua volta, exatos
dez anos depois de estrelar, ao lado do irmão, a fantasia "Acquaria".
"A experiência agora é diferente. Tenho 30 anos e tenho mais vivência."
A comoção não durou muito e "Quando Eu Era Vivo"
voltou a ser tratado como filme e não veículo de promoção para a popstar.
"Quando convidei a Sandy, achei que ela poderia não
topar, porque o roteiro era bastante sombrio, mas foi tranquilo", conta
Marco Dutra, que é apenas dois anos mais velho que a cantora. "No começo,
muita gente achou esquisito. Depois entenderam a presença dela."
A escolha foi mais importante do que parece. Quando recebeu
o convite da RT Features para adaptar seu livro favorito de Mutarelli, Dutra ficou
preso na profissão de Bruna, uma estudante de desenho no romance.
POLANSKI E CANNES
"Quando trocamos o desenho pela música, o roteiro
decolou. Vi que a narrativa poderia ter relação com a música, como eu tinha uma
relação afetiva com Sandy", diz. "Seus discos estavam juntos com os
da Xuxa e de Michael Jackson na minha casa", lembra o cineasta, que pediu
que a cantora assistisse a "O Bebê de Rosemary", de Roman Polanski,
como referência.
"Gosto muito de Polanski e de como explora os espaços
domésticos", diz Dutra. "Gosto de relações familiares e de como elas
interferem no íntimo das pessoas."
Esse estilo do cineasta tem agradado. Com a amiga Juliana
Rojas, que assina a montagem de "Quando Eu Era Vivo", Dutra teve três
curtas ("Lençol Branco", "O Ramo") e um longa
("Trabalhar Cansa") no Festival de Cannes.
Não é avançar o sinal presumir que seu novo longa possa
estar novamente na "croisette", em maio deste ano. Mas o diretor não
pensa no assunto quando falou à Folha, quase seis meses depois do fim das
filmagens, acompanhadas pela reportagem, em setembro passado.
"Não tenho pressão para finalizar. Estou deixando o
filme andar sozinho. Não adianta ter pressa. Cannes vai olhar para mim com
carinho, mas o longa precisa ter o seu tempo."
Fonte: Folha Ilustrada
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